Sarria - Melide (dia 16)
17 de maio.
66,8 km / 4h58min
Durante a subida ao Cebreiro, ingressamos na Xunta da Galicia, outra região constitucional e culturalmente autônoma da Espanha. Assim como o País Basco (citado anteriormente, no post Rumo a Santiago de Compostela - dia 3) e as demais regiões da Espanha, a Galícia goza de um status de autonomia geopolítica dentro do Estado Espanhol.
Lembrem-se que o Reino da Espanha é organizado sob a forma de uma Monarquia Parlamentarista.
Dadas as origens seculares dos países europeus, compreender tais particularidades geográficas e políticas das nações europeias demandariam estudos e uma dissertação própria. Meu blog passa bem longe dessa pretensão. O propósito das referências histórico-culturais que trago para o leitor, é o de tentar instigar a curiosidade daqueles que, como eu, se interessam por história.
Pois bem. A Galícia é a região mais ao Norte da Espanha e é, na minha opinião, aquela que mais nos aproxima e que mais me faz lembrar do Brasil. Isto porque é aqui onde os espanhóis quase falam o nosso idioma.
Para aqueles que, como eu, não sabiam, o galego é uma “língua irmã” do português. Uma teoria diz que ambas as línguas têm origem em uma mesma fonte: o latim vulgar.1 Não se sabe com certeza se o português deriva do galego. A evolução das línguas é um processo complexo, não linear. O que posso dizer é que o galego me remeteu a um sentimento de pertencimento… na Galiza eu parecia estar na casa de meus antepassados distantes…
Fiquei particularmente encantado em circular pela região e encontrar placas, sinais e letreiros escritos “quase” em português.
Voltando ao caminho…. Sarria foi o nosso primeiro destino no território galego. A cidade foi fundada por Alfonso IX com o nome de Vilanova de Sarriá, mas suas terras estiveram povoadas desde muito antes. No município há diversos sítios arqueológicos.
A passagem do Caminho de Santiago pelo município propiciou a existência de numerosas construções eclesiásticas, da mesma forma que acontece com seu legado medieval, que deixou várias amostras de arquitetura civil e militar.2
Em Sarria, deixamos para trás a marca dos 100km finais do caminho.
Já a partir da etapa da subida da Cruz de Ferro, nossa preocupação nessa reta final do caminho se concentrou em saber sobre a previsão do tempo. Desde lá, na Cruz de Ferro, o mau tempo tem nos acompanhado, principalmente a chuva. Pedalar com tempo de chuva não é lá tão agradável, para dizer o mínimo.
Vento, chuva, frio continuam… O último dia de pedal no Caminho de Santiago iria nos exigir bastante.
Melide - Santiago de Compostela (dia 17)
18 de maio.
O dia final chegou.
Ansiedade e expectativa.
Chegaríamos a Santiago de Compostela em algumas horas, porém não sem antes passar por uma última e definitiva prova de superação. Na sala do café, a preocupação era com o mau tempo lá fora. “Sair para pedalar nessa chuva vai ser difícil, bem difícil”, pensávamos. Por isso mesmo, quase que por instinto, retardamos um pouco a saída. Como que na esperança de que o tempo ficasse um pouco menos hostil.
Percebemos uma estiada, uma pausa na chuva. Agora só caía uma leve garoa…
Estava na hora de partir.
Deixamos o hotel de Melide quase às 9h, lembrando a dica do Acácio de pedalarmos apenas no asfalto. Nada de ingressar na rota dos peregrinos caminhantes. Deveríamos seguir pelas “carreteras” para evitar o barro nas trilhas.
É assim fizemos.
Os 15 primeiros quilômetros foram bastante tranquilos, com clima até “agradável”, pois se alternaram períodos de leve garoa e tempo firme.
Saímos da cidade e seguimos imediatamente a rota 3 da EuroVelo3, a rota peregrina. Por ela nos manteríamos no asfalto e evitaríamos o tráfego da Rodovia N-547.
Até a cidade de Azúra, os planos estavam dando certo. Foi aí que a rota 3 se perdeu… ou melhor: fomos nós que a perdemos…
Caímos na N-547 e ao entrarmos nela, chegou a chuva. Chuva mesmo. Frio mesmo. Tudo ficou molhado, encharcado… desde o capacete até o dedão do pé… Foram cerca de 20km de percurso com essa condição. A vontade era de acabar logo…
Mas foi então que o encanto do caminho voltou a nos presentear com o compartilhamento da trilha dos peregrinos caminhantes. Próximo ao aeroporto de Santiago de Compostela, faltando cerca de 12km, nosso caminho voltou a cruzar a trilha dos caminhantes.
Nessa etapa final do Caminho de Santiago são muitos os peregrinos, pois a distância até à Catedral é próxima a 50km, o que anima muitas pessoas a percorrerem o percurso final. Lembro ao leitor que, para o caminhante obter La Compostela, é suficiente comprovar ter percorrido os 100 últimos quilômetros.
Em vários trechos do caminho compartilhamos a mesma trilha dos caminhantes. Quando não, estávamos sempre próximos deles, no asfalto à margem da trilha. Nesse ponto do percurso, porém, a nossa proximidade (ciclistas e caminhantes) foi maior, pois todos estávamos irmanados no propósito de concluir a peregrinação.
Foi principalmente por isso que tudo mudou. Ademais, o clima meteorológico amenizou a chuva, trazendo, inclusive, alguns momentos de raiares de sol. O ânimo voltou a nos mover.
Todos vamos chegar a Compostela como verdadeiros peregrinos, independentemente do meio.
Na marca dos 5km finais se chega ao Monte do Gozo, local de onde se pode avistar, pela primeira vez no caminho, a Catedral de Santiago de Compostela. Parada obrigatória, claro.
A partir desse ponto, não tem mais volta. A Catedral está logo ali…
Êxtase.
Oficialmente, aqui foi o ponto final do nosso caminho.
Uma experiência para ser lembrada daqui até o final das nossas vidas, sem nenhum exagero.
Depois de celebrarmos a chegada, após um breve descanso, fomos até a Oficina do Peregrino para obter nosso certificado de conclusão do caminho, La Compostela.
Trata-se de um documento oficial, redigido em latim4 e firmado pela autoridade eclesiástica da Catedral de Compostela.
O cerimonial final do caminho foi na Catedral, onde fomos abençoados durante a Missa aos Peregrinos.
Parabéns Peregrinos e obriga por compartilhar essas emoções tão edificantes e sempre com a vontade de está aí c vcs! Um grannnnde abraço
Excelente viagem, São Thiago nos guiou